quinta-feira, 8 de março de 2018

Um causo sobre a Liberdade de Cátedra



            No dia 08 de março de 2001, no dia internacional da mulher, a Professora Doutora Debora Diniz foi convidada pela Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios para uma palestra sobre “Aborto e Moral”. A proposta era discutir a delicadeza moral do tema do aborto e suas implicações para o debate bioético e jurídico. Como antropóloga e pesquisadora da bioética, Debora desenvolveu uma sociologia do aborto no Brasil, pontuando as características do debate legislativo e a formação de comunidades morais, destacando as razões da permanência do tema do aborto como uma das questões-chave ao debate bioético. Aos debatedores cabia uma arguição dos argumentos sociológicos e éticos da Professora Debora, o que infelizmente não ocorreu.

            Professora de Bioética da Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Católica de Brasília (UCB) na época, Debora Diniz começou a sofrer constrangimentos sucessivos, com ameaças de demissão e, até mesmo, com seu remanejamento dentro da Pós-Graduação, onde foi impedida de lecionar Bioética, cabendo-lhe a tarefa de ministrar aulas sobre metodologia científica. Impossibilitada de lecionar a disciplina que consumiu toda a sua vida acadêmica, Debora continuou no departamento de psicologia da Universidade Católica de Brasília, onde também orientava alunos de mestrado. Lá, a professora podia trabalhar os temas da Bioética de maneira indireta.

            A resposta ao evento de março de 2001 veio dois meses depois. Sucumbindo às pressões que vinha sofrendo desde o ano passado, a UCB resolveu demitir Debora Diniz sumariamente, sem justa causa. Pesquisadora de renome internacional, detentora de currículo e titulação exemplares e com notório respeito na comunidade acadêmica nacional e internacional, Debora foi demitida poucos dias após receber o Prêmio Manuel Velasco-Suarez de Bioética, oferecido pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Recebeu, também, o Prêmio Leadership Bioethics Award, entregue pela International Network on Feminist Approaches to Bioethics, durante o VI Congresso Mundial de Bioética em outubro/novembro de 2002, ocasião em que Debora coordenou a IV Conferência Internacional da FAB.

            Desde a sua demissão, centenas de cartas e e-mails começaram a chegar, o que fez com que a ANIS: Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, organização não-governamental sem fins lucrativos da qual Debora é uma das diretoras, criasse o e-mail Liberdade de Cátedra (liberdadecatedra@anis.org.br). As mensagens de manifesto continuam chegando desde então, e seus remetentes estão em todo o planeta: Estados Unidos, Reino Unido, Índia, Alasca, República Dominicana, Holanda, Dinamarca, Alemanha, Austrália, México, Argentina, Chile, África do Sul, Hungria, UNISINOS, Israel, França, Canadá, Itália, Portugal, Havaí, entre outros. Dentre as instituições do Terceiro Setor ou acadêmicas e/ou pesquisadores, professores e alunos que se pronunciaram, estão: Associação Brasileira de Antropologia, Fundação Oswaldo Cruz, University of Minnesota, Columbia University, Universidade de Brasília, Universidade Federal de Santa Catarina, USP, Unicamp, Ohio State University, Themis: Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero, CFEMEA, Universidade de Lisboa, University of Toronto, IPEA, Católicas Pelo Direito de Decidir, Universidade Federal do Paraná, Albert Einstein College of Medicine, Senado Federal, Câmara dos Deputados, University of Pennsylvania Center for Bioethics, University of Edinburgh, University of Wollongong, Red Católicas por el Derecho a Decidir – America Latina, Universidade Federal Fluminense, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, San Francisco State University, International Network on Feminist Approaches to Bioethics, International Association of Bioethics, Universidade Federal do Espírito Santo, University of Califórnia, entre muitos outros.

            Poerém, uma importante instituição se juntou ao movimento internacional pela Liberdade de Cátedra. Recentemente, a American Association for the Advancement of Science, que edita a revista Science, apoiou a causa e coordenou um trabalho de conscientização em todo o mundo, orientando as pessoas a manifestarem seu repúdio e protesto enviando cartas ao ministro Paulo Renato de Souza, ao ministro da Justiça, Paulo de Tarso, e ao embaixador do Brasil em Washington, Rubens Barbosa. Além disso, o Comitê de Direitos Humanos e Liberdade de Cátedra da Associação de Estudos Latino-Americanos (LASA) manifestou, também, seu repúdio à demissão de Debora Diniz.

            As manifestações contrárias à demissão da pesquisadora demonstram o cenário de um Brasil que ainda precisa discutir e respeitar a liberdade de cátedra (liberdade acadêmica), que assegura a liberdade de aprender, a liberdade de ensinar e a liberdade de pesquisar. Como se pôde notar, a maioria das mensagens. Esta constatação não foi uma surpresa para os defensores do movimento. A liberdade de expressão no Brasil ainda sofre com as pressões políticas, ideológicas ou religiosas, e, dentro das universidades brasileiras.

Para saber mais:
http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT757558-1666-1,00.html

Fonte da Imagem:  
HonestReporting - https://www.flickr.com/photos/honestreporting/15423478806

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